segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

considerações a respeito das estruturas narrativas de lobo da estepe e demian

o livro 'o lobo da estepe' é iniciado por um préfacio do editor, um sobrinho que escreve a respeito do livro que segue. trata-se de um prefácio ficcional, não um prefácio real, escrito por um editor verdadeiro. o prefácio, como texto intermediário que apresenta a leitura de um outro texto está, ele mesmo, no registro ficcional do escrito que segue.
desse modo, trata-se de um texto que fala de si mesmo. de uma ficção que, em sua primeira parte, ficcionaliza o próprio ato de escrita do texto.
como recurso narrativo, o préfacio ficcional do texto traz uma série de referências que servem como fundamento, quadro, moldura para a ação que segue.
só que tais referências não estão baseadas no mundo real. são elas mesmas fruto de uma mesma cabeça, a do escritor herman hesse que escreveu todo o livro, inclusive o prefácio.
trata-se, portanto, de criar uma espécie de fábula, um canal fabular por onde irá correr toda a água de heller. arrisco a dizer que o prefácio é a única ficção do livro.
na estrutura cênico-dramatúrgica, penso que seria uma espécie de prólogo da encenação. porém este prólogo não é apenas um prólogo, como o prefácio não é um mero prefácio.
este prólogo irá dizer sobre si, ou seja, sobre a encenação. sobre os "escritos" da encenação. mais do que situar a história de heller, este prólogo deve situar a história da encenação. um prólogo que fala de si. que cria para o que vem a seguir uma fábula: algo como o prólogo que xeretou os ensaios, as salas de ensaios, os cadernos dos atores, perseguiu o diretor, juntou tudo e vai apresentar o que segue. um prólogo que afirme e negue ao mesmo tempo a sua autoria. 'eu juntei tudo mas o autor disto [no livro, são as anotações; na encenação são as cenas] é outro'.
e talvez surgiria um nome como: as anotações de aquela companhia, só para loucos.
ou ainda: as encenações de aquela companhia, só para loucos.

em demien, há um narrador que desliza entre dois tempos: o do tempo recordado e o do tempo de recordar. mais do que utilizar o recurso de justapor dois tempos distintos, seja em uma cena, seja em um texto, o desafio que surge é o seguinte: como fazer um tempo aparecer pelo outro. mais do que dividir a partir de uma convenção o que é cena do passado e o que é cena do presente é perguntar como o passado surge no presente. como pode aparecer sinclair jovem no corpo e na memória de um heller senhor? como se cria este link para a infância sem que eu tenha que me tornar uma criança? o senhor em devir criança, talvez seja resposta. pois ele não se torna uma criança, mas devém criança.

percebo que demian se relaciona ao lobo da estepe a partir de alguns pontos:
- demian esclarece algumas questões do lobo. corrijo: demian traz novos elementos ao lobo. ou melhor: demian revela outras facetas de alguns elementos utilizados no lobo. em demian vemos a taverna (a taverna como refúgio), o vinho, o riso, o pinheirinho (o pinheirinho de Natal que há na casa de sinclair - bom mote para cenas com o pinheirinho) e, principalmente, a voz.
Esta voz, que me parece é a mesma do tratado:
"como no sonho, a voz de Demian e sua vigorosa influência se apoderaram de mim. Só consegui assentir de novo. Acaso não estava falando com uma voz que só poderis brotar de mim, uma voz que tudo sabia? que tudo sabia? Que sabia melhor e mais claramente do que eu"
"E sempre é bom termos consciencia de que dentro de nós há alguém que tudo sabe, tudo quer e age melhor do que nós mesmos"
Esta voz que tudo sabe é o olhar do jogador de xadrez que joga suas facetas e cacos e disto faz um mundo.
O tratado, assim como a voz, como uma fala neutra se dirige ao eu e abre-lhe a vista. uma neutralidade ativa, performática. o sim do casamento. A voz é sem corpo mas produz casados. Ela vem e, num instante, transforma tudo. é como se o tratado durasse apenas um instante. Mesmo com as longas páginas, aquilo é de um arrebatamento que percorre o corpo em um segundo. é uma voz-tratado que faz cair a ficha. plim, plim. Esta voz deve ser uma conexão energética, uma sinapse. Esta voz é o gesto do jogador que desarma um jogo para produzir outro em um único movimento.
e chega por hoje.

Um comentário:

Rodrigo M. Rodrigues disse...

Olá a todos,
Estive hospedado no sesc copacabana entre os dias 19 e 22 de Abril. Assisti ao Lobo no domingo, amei, fiquei deslumbrado, tonto, apaixonado, curioso, excitado e feliz.

Parabéns a peça é um sucesso.

Continuem postando, sei que vcs tem muito a dizer.

Abraço a todos.